O Segundo Sexo Os Factos e os Mitos, de Simone de Beauvoir (ED. QUETZAL)
“Porque razão o mundo sempre pertenceu aos homens e só hoje as coisas começam a mudar?”
Com Beauvoir tomamos consciência de que, ainda hoje, a mulher quando quer descrever-se é obrigada, ao contrário do homem, a declarar “sou uma mulher”. No paradigma que continua a formatar-nos e que continua a perpassar pela sociedade, ela aparece como o negativo do homem, como já era para Aristóteles na Antiguidade Clássica: “A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades”, isto é, ela define-se por lhe faltar algo e não por ter algo. “O segundo Sexo” mais do que descrever o que é uma mulher, explica como se constrói uma mulher. O que mais impressiona neste livro, escrito no fim dos anos quarenta e passadas mais de seis décadas, é a sua atualidade. Em pleno século XXI, ainda se discute a condição da mulher, tema que continua a ser pertinente, dados os desequilíbrios do poder entre os sexos. Muito se conquistou já, mas ainda há um longo e árduo trabalho por fazer.
A Vida Apaixonante de Adriano, de Marguerite Yourcenar (ED. ULISSEIA)
“Marulino, meu avô, acreditava nos astros. Esse grande velho emagrecido e amarelecido pela idade concedia-me o mesmo grau de afeição sem ternura, sem sinais exteriores, quase sem palavras, que dedicava aos animais da sua propriedade, à sua terra, à sua colecção de pedras caídas do céu.”
As memórias da vida apaixonante de um velho Imperador, muito doente, contadas a um jovem, Marco Aurélio, que lhe sucederá no Império de Roma. Um dos mais belos romances da literatura em francês do século XX, aqui na magnífica tradução de Maria Lamas. Pela voz de um Homem culto e sábio, a autora fala-nos da vida, do amor, da morte e do Mundo. Um livro que, uma vez lido, jamais se esquece.
Não há mapa cor-de-rosa A História (Mal)dita da Integração Europeia, de José Medeiros Ferreira (ED. EDIÇÕES 70)
“Está pois na hora de revisitar os fundamentos da integração europeia. Esta, encarada do princípio (...) foi uma resposta pragmática à ausência de Tratado de Paz; vista no meio, (...) foi a vitória do conceito de ‘comunidade de destino’ (...); nos nossos dias anuncia desilusão e tempestade.”
Tive a sorte de conhecer e conviver com José Medeiros Ferreira que, em 2013, escreveu esta profética antevisão da atual “crise grega”. Figura relevante da sociedade portuguesa, professor universitário, investigador, historiador e político. Europeísta da primeira hora (foi ele o Ministro dos Negócios Estrangeiros que assinou o pedido de adesão à então CEE), a fase atual da construção europeia enche-o de um lúcido pessimismo.
A misericórdia dos mercados, de Luís Filipe Castro Mendes (ED. ASSÍRIO & ALVIM)
“Os que não têm lugar à mesa devem rodar delicadamente para trás e afastar-se sem barulho e sem notícia. Os lugares foram reduzidos por forma a um número crescente de convidados deixar de ter lugar no banquete, sem qualquer aviso prévio ou desculpa improvisada. Prontamente. Conhecer as regras é necessário, ignorá-las é soberano.”
O meu querido amigo Luís Filipe Castro Mendes é, penso eu, um dos melhores poetas portugueses da atualidade. O seu último livro, “A Misericórdia dos Mercados”, é uma irónica e subtil peregrinação sobre a desumana ditadura que as “finanças” exercem sobre todos nós. Sarcástico, perspicaz, acutilante e, ao mesmo tempo, delicado e envolvente, retrata, como só o poeta o sabe fazer, a organização da sociedade atual, a regulação pelo capital com as suas leis e as inevitáveis consequências dessa regulação. Como afirma Luís Filipe Castro Mendes num dos poemas, “Nós vivemos da misericórdia dos mercados. / Não fazemos falta.”