As sociedades desportivas: o regime jurídico além de preferências clubísticas
Numa época em que muito se fala da “engenheira do subsolo”, sendo a complexidade do fenómeno desportivo cada vez mais crescente no panorama atual e global, importa compreender a sua génese: as Sociedades Desportivas (doravante denominadas “SD”).
Atualmente, o regime legal aplicável às SD consta da Lei nº 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto – “LBAFD”), do Decreto-Lei nº 10/2013, de 25 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei nº 49/2013, de 11 de abril (Novo Regime Jurídico das SD – “NRJSD”), bem como, a nível fiscal, da Lei nº 103/97, de 13 de setembro, alterada pela Lei nº 56/2013, de 14 de agosto (Regime Fiscal das Sociedades Desportivas – “RFSD”).
Concentrando-nos na última secção da LBAFD, designadamente nos artigos 26.º e 27.º, procede-se à distinção entre clubes e SD, definindo os clubes desportivos “como pessoas coletivas de direito privado, constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos, que tenham como escopo o fomento e a prática direta de modalidades desportivas”, e as SD como “as pessoas coletivas de direito privado, constituídas sob a forma de sociedade anónima, cujo objeto é a participação em competições desportivas e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionados com a prática desportiva profissionalizada no âmbito da modalidade”.
Contudo, para efeitos de aplicação do respetivo regime jurídico, o NRJSD considera as SD como “a pessoa coletiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima ou unipessoal por quotas, cujo objeto consista na participação, numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espetáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidades” (conforme art. 2.º, nº 1 do NRJSD).
Assim, com a entrada em vigor do NRJSD, passou a ser obrigatório o recurso à figura da SD para a participação numa competição profissional, foi criado um novo tipo de SD para além das Sociedades Anónimas, a Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (“SDUQ”), em que o sócio único será sempre obrigatoriamente o clube fundador (cfr. art. 11.º e 14.º do NRJSD), bem como foi quebrado o princípio da homogeneidade das SD, permitindo-se que uma SD possa ter por objeto a participação em mais do que uma modalidade, desde que o clube apenas participe numa única SD multimodal ou multidisciplinar e em mais nenhuma outra.
Neste sentido, uma SD pode ser constituída de três formas: (i) de raiz; (ii) pela transformação de um clube desportivo; (iii) pela personalização jurídica de uma equipa (i.e., quando o clube transfere para uma SD a totalidade ou parte dos direitos e obrigações de que é titular e que estão afetos à participação em competições desportivas profissionais, situação em que o clube fundador deve deter, diretamente, um mínimo de 10% do capital social da sociedade) – conforme artigos 3.º e 4.º do NRJSD.
Quanto ao capital social mínimo, as SD devem ser constituídas consoante as modalidades e competições em que participem. Por exemplo, uma SAD que queira participar na 1ª liga profissional de futebol deverá ter um capital social mínimo de €1.000.000, enquanto, para uma SDUQ, o valor fixa-se em €250.000 – conforme art. 7.º NRJSD.
Por seu turno, relativamente às ações: as SAD têm ações de categoria A (destinadas a serem subscritas pelo respetivo clube fundador quando a sociedade se tenha constituído por personalização jurídica de uma equipa) e ações de categoria B (nos restantes casos), ambas nominativas; quanto às SDUQ, a quota indivisível e intransmissível representativa do capital deve pertencer integralmente ao clube fundador, podendo, no entanto, uma associação desportiva ser titular de mais do que uma SDUQ, desde que respeitantes a modalidades distintas – conforme artigos 10.º e 11.º NRJSD.
Assim, pese embora uma reflexão sobre a natureza jurídica destas sociedades nos permita discernir se se tratam de verdadeiras sociedades comerciais, em especial em resultado do conceito de atos de comércio, ou se, pelo contrário, estamos perante uma nova figura societária (atípica), cujas características não mais permitem do que a qualificação como sociedade sui generis, não há dúvida que os Solicitadores, em especial os vocacionados para a área de Solicitadoria de Empresa, podem ter um papel significativo nesta matéria, contribuindo para a verdadeira profissionalização da gestão do desporto.