O tráfico de seres humanos, muitas vezes com o objetivo de recolher órgãos para transplantação, é a segunda prática criminosa mais lucrativa do mundo, segundo a ONU, só ultrapassada pelo tráfico de armas. Surpreendido? Acompanhe-nos nesta viagem pelo lado mais obscuro de uma economia à margem da lei: o tráfico de órgãos humanos.
No dia 7 de agosto de 2018 foram publicados, em Diário da República, a Resolução da Assembleia da República e o Decreto do Presidente da República que permitiram a aprovação e a ratificação, respetivamente, da Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos. Esta Convenção representa um marco histórico uma vez que é o primeiro instrumento legal que fornece uma definição internacional consensual de tráfico de órgãos.
As disposições desta Convenção, assinada em Santiago de Compostela, no dia 22 de março de 2015, exigem às Partes a incriminação da extração ilícita de órgãos humanos de dadores vivos ou mortos, caso seja levada a cabo sem o consentimento livre, informado e específico do dador ou, no caso de dadores falecidos, sem que a extração seja permitida pelo direito interno. Exige a incriminação, como contrapartida da extração de órgãos, caso o dador vivo, ou um terceiro, receba um proveito financeiro ou vantagem equivalente e ainda nas situações em que, como contrapartida da extração de órgãos de um dador morto, um terceiro receba um proveito financeiro ou vantagem comparável.
A Convenção estabelece também medidas de proteção das vítimas, não esquecendo as medidas de prevenção com o propósito de garantir a transparência e o acesso equitativo aos serviços de transplantação. E, com vista à preparação de medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para a concretização das disposições desta Convenção, foi constituído um grupo de trabalho interministerial.
Claro que não será difícil percebermos o desespero de quem descobre que a sua vida depende de um transplante de órgãos, integrando uma lista de espera pouco animadora. Será tentador pensar: haverá alternativa?
Mas se lhe dissermos que milhares de pessoas morrem ou ficam com sequelas graves depois destes transplantes efetuados neste mercado paralelo? Segundo o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), 5% a 10% dos transplantes realizados anualmente resultam de tráfico de órgãos, sendo que 50% a 70% dos doentes transplantados com rins, recorrendo a esta via, desenvolveram infeções gravíssimas que levaram à morte em 20% dos casos.
O tráfico de órgãos ocorre geralmente fora da União Europeia, em países como a China e a Índia onde os transplantes podem ser feitos, em clínicas improvisadas, sem condições de segurança e higiene, comprometendo a saúde de dadores e recetores. Todavia, nenhum país está imune ao tráfico de órgãos, já que, à escala mundial, a oferta de órgãos fica aquém das necessidades da população. No nosso país, a doação após a morte é regra. Contudo, há cidadãos que, não concordando, se inscrevem no Registo Nacional de Não Dadores. Felizmente são poucos.
É importante frisar que o tráfico de órgãos humanos constitui uma violação grave dos direitos humanos, uma afronta à própria noção de dignidade humana e, não só uma ameaça grave para a saúde dos intervenientes, mas também uma questão de saúde pública. Ora, nestes casos, prevenir será sempre o melhor remédio.