Solicitadores Ilustres - Lopo da Silveira
“(…) Porque o ímpio oprime o justo Por causa disto, o julgamento sairá pervertido”
1.4 Profeta Habacuc*
“Os Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade e apostasia nesta Cidade e Arcebispado de Lisboa e seu Distrito, etc. Mandamos qualquer Familiar ** ou Oficial do Santo Ofício que em Torres Novas ou onde for achado Lopo da Silveira, solteiro, filho de Maria Pinto, meio cristão-novo o prendais por culpas contra a nossa Fé que dele há neste Santo Ofício obrigatórias a prisão (…).”
Era assim que iniciava o mandato de prisão de Lopo da Silveira, Solicitador de Causas, natural de Torres Novas, onde nasceu no princípio do século XVII (1601), entre Valverde e a Rua Direita, tendo sido batizado na vizinha Igreja de Santiago. Com morada e escritório na Praça da Ribeira, Lisboa, filho de Diogo Freire da Silveira, cristão-velho, e de Maria Pinto, cristã-nova, cuja acusação era o crime de prática reiterada de judaísmo, aliás acusação frequente a muitos solicitadores durante os séculos XVI e XVII (1).
Preso, no Palácio de Estaus ***, no dia 30 de junho de 1634, quase um ano depois de Galileu Galilei ter sido obrigado a abjurar pelo tribunal homólogo de Roma que a terra não se move, tendo alegadamente murmurado a célebre frase “ Eppur si muove”****.
Afinal de que era acusado o Solicitador Lopo da Silveira pelos Inquisidores? Que, segundo o testemunho de acusação de António Roiz, seu parente e preso na Inquisição, o réu Lopo da Silveira, “que não se lembra do mês, nem da hora e, no caminho a menos de meia légua da Vila de Torres Novas se achava ele com frequência na companhia de Manuel Pinto, cristão-novo, casado com Juliana da Silveira, sobrinha dele, e com ele Lopo da Silveira, filho de Maria Pinto, defunta sobrinha, dele confidente e outras pessoas (…) que segue na Lei de Moisés que nela guardava dos Sábados do trabalho, e, neste dia, vestia camisa branca lavada e levava a melhor roupa, não comia carne de porco, lebre, coelho, nem peixe de pele e jejuando às segundas e quintas-feiras”.
Outra testemunha, também preso, João Fernandes Gomes, cristão-novo, declarava “que num dia e hora que não se lembra, na Ribeira (Lisboa) se encontrou ele, confidente, com Lopo da Silveira, (…) que enviava um recado para João Rodrigues, que saíra dos cárceres e com Ofício em Castelo Branco, para o ajudar a vender todos os imóveis que tinha em Torres Novas, a fim de emigrar para Castela, porque sabe que lá pode seguir a Lei de Moisés”.
Uma outra testemunha refere que, para além de ser hábil na sua profissão de solicitador de causas, sendo muito conhecido na Praça da Ribeira, em toda a cidade de Lisboa e em Torres Novas, onde era proprietário e tinha parentes, e aproveitando o perdão geral (2) do Papa Urbano VIII e do Rei Filipe, fazia questão de respeitar a Lei de Moisés, acreditando na vinda do Messias.
Depois de ouvidas mais de uma dezena de testemunhas, a acusação pedia que “Lopo da Silveira fosse declarado herege apóstata da nossa fé católica, que incorre na condenação de sentença de excomunhão maior, perda de todos os bens a favor da Inquisição e entregue à Justiça Secular” - algo que o poderia levar à fogueira.
A defesa, escorando-se nos depoimentos de várias testemunhas, de colegas do ofício, procuradores e juízes, bem como de alguns seus conterrâneos de Torres Novas, argumentava que o Lopo da Silveira era um bom católico, respeitava o Domingo e os dias Santos de Guarda, frequentava a Missa e lá comungava frequentemente, sendo as acusações falsas e de alguém que lhe queria mal.
A sentença final, no auto de fé de 11 de março de 1640, deu como provadas todas as acusações mas não foi tão radical como pedia a acusação e, “havendo respeito à qualidade da prova da justiça não ser bastante para maior condenação das suas culpas (…) é mandado a fazer a abjuração veemente (3), cárcere a arbítrio onde será instruído, nas cousas da nossa Santa Fé, necessárias pela salvação da sua alma, penitências espirituais que forem impostas e pagamento das custas do processo”.
Lopo da Silveira saiu da prisão ao fim de seis anos, no dia 18 de março de 1640. Continuou a ser um exemplar Solicitador de Causas, se seguiu, ou não, a Lei de Moisés não o sabemos. Alguns meses mais tarde, no dia 1 de dezembro desse mesmo ano, viu Portugal a ser libertado dos castelhanos, mas não das garras da Inquisição. Que o diga o Padre António Vieira.
NOTAS
ANTT – Tribunal do Santo Ofício, Inquisição Lisboa proc. 421
*Livros Proféticos (Volume III) tradução de Frederico Lourenço
** Familiar da Inquisição – era a máquina policial da Inquisição por todo País, podendo prender suspeitos, executar os bens apreendidos aos condenados, efetuar diligências etc.
***Palácio de Estaus – Local sinistro da inquisição, ficou praticamente destruído com o terramoto de 1775. Após a sua reconstrução serviu vários serviços públicos. Em 1836 ardeu completamente e nele foi construído o atual teatro D. Maria II
****E ainda assim se move
Para saber mais:
1 – Sobre este tema ver “ Os Solicitadores “ Volume I – Raízes Medievais e Modernas da Profissão – Os Solicitadores: forma de representação social, capitulo IV Páginas 135 a 163 de Amélia Apolónia (Edição da OSAE).
2 – Aconselho a leitura dos seguintes livros:
a) Portugal sob o domínio Espanhol, cap. 7.º da História dos Judeus em Portugal de Meiyer Kayserling-Editora Perspetiva – Brasil
b) Governo de Filipe IV (Capítulo V) História dos Cristãos Novos Portugueses de J. Lúcio Azevedo (Clássica Editora)
c) Os Judeus em Portugal II Volume de Mendes dos Remédios (Coimbra Editora)
3 - Ver Abjuração de Vehementi