Está frio. O nordeste transmontano, de cujo coração escrevo, anda, aqui e ali, coberto de neve. Uma neve que, nestes últimos dias, nos tem visitado a partir dos 800 metros de altitude. Por isso, nada melhor do que pensar num almocinho “à maneira” que nos encha o estômago e nos conforte a alma, de preferência servido no meu restaurante preferido.
Vamos lá então:
Às quartas-feiras e enquanto durar este período de inverno, que começou ali por novembro e há-de ir até lá para nal de março, o meu lugar preferido para passar a hora de almoço mora no restaurante “O do mercado”. Situa-se em Macedo de Cavaleiros, no dito coração do Nordeste, no Mercado Municipal. Daí o seu nome.
Quando aqui almoço, nem preciso de ler a ementa. A proprietária, de seu nome Vera, bem sabe ao que vou. Ainda não me cansei de comer as suas deliciosas casulas. Prato verdadeiramente transmontano. Mas o que são as casulas? Para se obterem as casulas há que colher o feijão dentro da vagem ainda verde. Depois, a vagem é seccionada em pequenos pedaços. Posteriormente, colocam-se ao sol, espalhadas em cima de uma manta até secarem. Uma vez secas, guardam-se num saco de pano, à espera dos dias frios, para se cozerem com o também tradicional butelo. O butelo (igualmente conhecido por “bulho” ou “chouriço de ossos”) é o companheiro indissociável das casulas. Sem estes dois “parceiros” o cozido não tem história. O butelo é feito a partir da carne junto ao espinhaço do porco.
E então quando a D. Vera – a proprietária - nos apresenta aquele prato de casulas, com o dito butelo, os ossos da suã do porco, a carne da barriga, aquela deliciosa carne gorda ou entremeada, previamente salgada pelas mãos experientes de quem sabe, e mais uma linguiça das boas, de fabrico próprio, e, a acompanhar, uma pinga de estalo, o bom vinho da casa, maduro tinto fabricado pelos agricultores da região, só vos digo…
Mas há que vir provar.
Este é um dos meus lugares preferidos. Seja para comer as casulas, seja para merendar um rojão acabado de fazer em cima de um naco de pão de Macedo, o melhor pão do mundo, seja para comprar uma peça do delicioso fumeiro que ali se fabrica e vende. É que ali existe também um posto de venda de fumeiro tradicional transmontano. São as famosas alheiras transmontanas, as linguiças, as bucheiras, as chouriças de sangue (com amêndoa e mel) - uma deliciosa sobremesa- ou, o enchido dos enchidos, o extraordinário salpicão de Macedo - tudo isto fabricado pelos proprietários deste restaurante.
Claro que poderia escrever sobre tantos e tantos outros pratos deliciosos que se confecionam por todo este vasto território nordestino. Podia, por exemplo, falar-vos do cabrito assado na brasa, ou de um estufado de cordeiro, ou da feijoada à trasmontana… Mas ca para a próxima. É que agora chegou a hora de almoço. Vamos a ele. Há que ligar à D. Vera e pedir-lhe que não se esqueça de guardar um lugar. Sei que hoje vai ser mais difícil por ser dia de casulas e lá fora estar um ar gélido. Mas, quando assim é, sabe-se que há por aí muita gente a precisar de um almoço que encha o estômago e conforte o coração. E eu sou um deles.