Reportagem sobre a Assembleia da República
Na casa que é de todos
Assembleia da República
No cimo de uma escadaria que faz pensar que, dali, se avistará portugal, o edifício da Assembleia da República e a sua imponência, que encanta olhares e lentes, condizem com os majestosos leões, símbolos de força e proteção. Não sendo do tamanho do país, ali cabem todos os portugueses, cabem os discursos que ainda ecoam entre aplausos e as decisões que, debatidas e votadas, escrevem cada dia. Ali cabe a democracia e, segundo expressão que se tornou familiar, ali mora. No Palácio de S. Bento.
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Este edifício foi mandado construir pelos Monges Beneditinos de hábito negro, nos finais do século XVI. Estes monges vieram de Itália, instalaram-se no norte do país, mas também quiseram construir um mosteiro na capital. Construíram primeiro um mosteiro na Estrela, mas queriam ter um espaço maior. Conseguiram adquirir este terreno que, na altura, só tinha hortas e uma quinta”, conta Maria José Maurício, da Divisão Museológica e para a Cidadania da Assembleia da República. Aliás, segundo a lenda, “nessa quinta vivia um casal e a mulher estava grávida. O marido aceitou o negócio, mas a mulher não queria vender a quinta. Um dia, a senhora andava a passear de burro, caiu e perdeu o bebé. Ao pensar que tinha sido castigada por não querer vender a quinta aos monges, aceitou de imediato o negócio”.
Hoje dono de uma fachada branca que contrasta com o céu azul e condiz com as poucas nuvens que vão passando, localizado numa zona conhecida, na altura, por apresentar um "microclima benéfico para curar doenças", o “Mosteiro de São Bento da Saúde” albergou estes monges até ao século XIX. Na entrada, junto aos bustos de donos de grandes palavras que o país não esqueceu, percebe-se a traça do claustro. A Revolução Liberal trouxe a extinção das ordens religiosas e a entrega dos seus bens ao Estado. E, uma vez aprovada a primeira Constituição Portuguesa, foi também aprovada a criação de um Parlamento que não encontrou logo ali a sua morada. Mas não demorou muito. “D. Pedro IV achou que este era o lugar ideal. Ele foi cá instalado em 1834. O nosso primeiro Parlamento chamou-se Palácio das Cortes, isto porque, antigamente, todas as reuniões políticas com presença do Rei e das classes sociais chamavam-se cortes”.
Apesar de muitas mudanças terem ocorrido enquando a História caminhou até aqui, as mais profundas tiveram registo já no século XX, depois do incêndio que pouco deixou da primeira sala de plenário, construída no primeiro piso, totalmente em madeira. Assim sendo, “já que tinham de reconstruir, a ideia foi adaptar um antigo espaço religioso às suas novas funções politicas. O concurso foi ganho pelo arquiteto Ventura Terra”.
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A escadaria nobre silencia e obriga ao toque dos olhos. Também desenhada por Ventura Terra, foi reformulada no seu traçado pelo arquiteto António Lino. Olhando para cima, em busca do próximo patamar, percorrem-se as formas que, na simplicidade, se impõem. É nesse momento que se descobre a grandiosidade daquele candeeiro de ferro negro que, suportado por um cabo de aço, faz brilhar 144 lâmpadas numa tonelada de delicadeza suspensa. “Quando desce para a manutenção, é um autêntico acontecimento”. Antes da entrada na sala do plenário, acontece a espera que caminha entre pensamentos. Aqui fica a sala dos Passos Perdidos. “Passos perdidos porque são salas de espera e, normalmente, enquanto esperamos, caminhamos. É também o grande hall de entrada porque a sala das sessões fica logo atrás destas paredes”. E quem espera, sem desesperar, pode preencher os minutos com as cores e os segredos das pinturas que cobrem as paredes.
Abertas as portas, invade-se a sala das sessões. Onde tudo acontece. Inaugurada em 1903, era a estátua de D. Carlos que nela imperava. Hoje encontramos a figura da República Portuguesa. No cimo, emoldurada pelos brasões das circunscrições eleitorais dos anos 20 do século XX, surge uma pintura de 1920, alusiva às Constituintes de 1821. “Podemos dizer que ali estão os primeiros deputados e que aquela é a primeira sala parlamentar: uma livraria que existia no Palácio das Necessidades. Nesta pintura podemos ver que a sessão está a ser presidida pelo Arcebispo da Baía, ainda antes da independência do Brasil. Aliás, esta pintura tem dois pormenores interessantes: em primeiro lugar, a cadeira vazia, porque a Corte estava no Brasil e mostrava-se assim a ausência do Rei; o segundo aspeto prende-se com o facto de, nas galerias, surgir uma senhora a assistir. Já se pretendia reivindicar que a mulher tinha de ter mais participação.”
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Beijada pela luz que vem da rua, onde a vida acontece ao ritmo de cada nova votação, naquela sala arrumam-se os deputados pelas cores partidárias. “O Presidente da Assembleia senta-se na cadeira mais alta. Quando vem o Presidente da República, é colocada uma igual ao lado. O Governo fica cá em baixo e as suas cadeiras não têm o símbolo da Assembleia. Exatamente para se distinguirem porque são dois órgãos de soberania diferentes e para se reforçar que o Governo é fiscalizado pelo Parlamento. Por isso, está de frente para as bancadas parlamentares. A bancada do Governo só é colocada em 1976, depois de aprovada a Constituição Democrática.” No meio da sala, envolta pelas estátuas que representam os valores que ali pairam, está a Divisão de Redação. Tudo aquilo que se passa é escrito e essas são as linhas do Diário da Assembleia da República. A tecnologia vai encontrando o seu lugar num espaço sóbrio e que se enche para o debate. As galerias, tantas vezes repletas pelas mais de 600 pessoas que podem acolher, deixam ver, ouvir e sentir a discussão pontuada por convicções.
São mais de 350 as pessoas que aqui trabalham, nas mais diversas áreas. E, em dia de sessão, são mais de 1000 aqueles que percorrem os corredores que deixam os passos ter voz. “A Assembleia tem vida todos os dias.” E, nessa vida, cabem as vidas de todos que, ao fundo daquelas escadas, junto aos leões, passam. Uns avançam. Outros param. Uns fotografam. Outros apenas olham. Mas todos sabem que é ali. Todos sabem que ali, na Casa da Democracia, no cimo da escada, todos moram.
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