Entrevista a Filomena Rosa, Presidente do Instituto dos Registos e Notariado
“O BUPi veio provar que era possível algo de que se ouvia falar há mais de dez anos.”
Filomena Rosa, Presidente do Instituto dos Registos e Notariado
Não é nova na casa. Conhece-a bem e, apesar do orgulho evidente, não acredita que seja possível crescer sem pontes. Filomena Rosa, atual Presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) defende, sem rodeios, uma colaboração estruturada e constante entre profissionais e instituições. Tendo no BUPi um bom exemplo de colaboração interinstitucional, Filomena Rosa considera que foi no GeoPredial, um projeto que sempre viu como uma “boa ideia”, que esta parceria com a OSAE se tornou tão natural quanto positiva. Para a Justiça. E para os cidadãos.
Por este e por outros projetos, passados ou que aguardam o dia certo para saltar do papel, a Presidente do IRN acredita em respostas construídas e em soluções que, a cada dia, se tornam melhores. Tudo graças aos vários olhares que, sem verem o mesmo caminho, apontam para o mesmo destino: simplificar e resolver.
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Como é que o Instituto dos Registos e Notariado (IRN) chega aos cidadãos?
A missão do Instituto dos Registos e Notariado é uma missão quotidiana e presente na vida das pessoas. Estando na área da Justiça, somos o serviço com que as pessoas mais contactam. Existe muita gente que, felizmente, passa uma vida inteira sem ir a um Tribunal, mas toda a gente tem um contacto com a conservatória, desde logo porque nasce e, depois, porque morre. O IRN tem um papel importante porque gera confiança, reduzindo as assimetrias informativas. Ultimamente temos ido, cada vez mais, ao encontro do cidadão porque estamos a disponibilizar outros serviços como o passaporte eletrónico, a carta de condução, etc. O IRN tem uma presença muito ativa na vida dos cidadãos. E a missão é mesmo essa. Somos, no fundo, as vacinas do sistema. Normalmente, só se percebe o papel de uma vacina quando não a tomamos. E o IRN também. Só quando não conseguimos provar o nosso direito é que percebemos a importância que tem um registo.
A segurança e a confiança são pilares do Estado de Direito. Podemos dizer que os registos são o suporte destes pilares?
Sim, a segurança que os registos conferem acaba por gerar a confiança dos cidadãos, confiança não só no registo, mas também nas pessoas que contratam. Por exemplo, saber se a pessoa é casada ou solteira, se tem património, ou não, são elementos importantes para o credor. Com esta situação dos incêndios e com a necessidade de saber quem é o proprietário de um determinado imóvel, os registos ganharam ainda mais importância. E o projeto BUPi tem contado com todo o empenho dos funcionários dos registos, apesar das dificuldades. Este é um projeto que dá corpo a esta questão da confiança e da segurança.
Podemos dizer que o IRN e os registos também tiveram um papel na recuperação económica do País?
Os registos, nos últimos vinte anos, deram um salto equivalente a meio século. Há quinze anos, ainda tínhamos registos em livros e agora já fazemos tudo em sistema informático. A atividade económica, hoje em dia, não se compadece com as demoras que chegaram a existir no passado. O facto de se ter evoluído para a simplificação e para a disponibilização de serviços online permitiu uma fluidez a que já habituámos os nossos empresários e a nossa economia. Mas não é só a questão da celeridade, é também o facto de estarmos presentes em múltiplos canais de acesso através do online. Contudo, quem quiser resolver algum problema presencialmente pode continuar a fazê-lo. Temos tentado manter estas valências de forma a chegarmos a todos e potenciarmos a atividade económica. Os portugueses têm sempre a ideia de que o seu país é o pior. Em matéria de registos, podemos dizer que a realidade é totalmente o oposto. Estamos numa ótima posição no contexto europeu.
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Em que sentido é que nos distinguimos no contexto internacional?
Ao nível do registo predial, são poucos os países que conseguem ser melhores do que Portugal. Muitos desses países ainda não têm sequer uma base de dados nacional. Com isto temos uma vantagem competitiva e que, na minha opinião, deveria ser mais conhecida pelos empresários. Mas também é por isto que os ratings são tão importantes: para dar a conhecer quais os países que estão melhor colocados. No caso do registo comercial, podemos dizer que é dos mais evoluídos, permitindo até o acesso à informação em inglês.
Neste âmbito da garantia da segurança e da confiança, considera que as regras de arquivo e preservação de títulos referentes a imóveis deveriam ser alvo de um processo de uniformização?
Parece-me que sim. Era útil a existência de um critério único de arquivo e termos regras de arquivo uniformes. Neste momento, temos vários tituladores com os mesmos poderes. Podem chamar-se escrituras públicas ou documentos particulares, valem o mesmo, promovem os mesmos atos, mas têm regras de arquivo diferentes. Temos de evoluir na direção do digital e, se por um lado, ao nível dos solicitadores e advogados, já há um arquivo digital dos atos relacionados com imóveis, relativamente às escrituras ainda não demos esse passo. Era muito importante existirem regras comuns para todos, agilizando a localização dos documentos e evitando a circulação de papel.
Hoje podemos dizer que a maior parte dos serviços tutelados pelo IRN estão já disponíveis online. Que outros serviços gostaria de ver incluídos neste universo?
Já temos muitos serviços disponíveis online. Neste momento, mais do que ver novos serviços online, gostava que os serviços disponíveis online fossem mais utilizados. O nível de utilização foi evoluindo, mas, neste momento, está estagnado. Sentimos que temos de tornar estes serviços mais amigáveis para o utilizador, criando, até, eventualmente, novas formas de acesso aos pedidos online para profissionais. Ou seja, seria interessante termos sistemas capazes de comunicar com as plataformas dos solicitadores, dos advogados ou dos notários. Isso talvez fizesse com que os serviços online fossem mais usados. Por exemplo, o âmbito online é muito usado nos casos do automóvel e do comercial, mas o predial nem tanto. Há ainda um longo caminho para percorrer, os números estagnaram e queremos que voltem a subir – isso tornaria os serviços mais rápidos e retirava-nos pessoas do balcão. Balcão esse que continua a ser essencial para casos que obriguem ao tratamento presencial como, por exemplo, quando se pretende fazer o cartão de cidadão. Olhando para o futuro, queremos comunicar mais. Não estamos presentes nas redes sociais e queremos passar a estar. Ou seja, queremos divulgar informações úteis, chegar aos cidadãos. Por exemplo, muita gente ainda não sabe que pode agendar a feitura do cartão de cidadão e evitar filas. Aliás, o agendamento é algo em que queremos investir muito.
E acha viável que os pagamentos dos registos possam vir a ser feitos também por transferência bancária?
A transferência bancária causa-nos muitos problemas em termos de contabilidade, mas algo semelhante e que seria muito útil passaria pelo pagamento por referência multibanco ou por DUC (documento único de cobrança). Gostaríamos muito de conseguir implementar esta solução, porque temos consciência que facilitaria muito, designadamente quando se pedem registos de forma deslocalizada. Sabemos que pedir cheques visados é uma violência, os vales postais também não são a coisa mais simpática e, por isso, queremos muito evoluir no sentido da implementação das referências multibanco ou DUC.
No registo automóvel on-line não é possível saber previamente os ónus registados sobre os veículos. Considera que seria interessante disponibilizar, também online, essa informação?
Sim, pode ser mais um passo. Aliás, uma das ideias que gostaríamos de implementar num futuro próximo passa pela criação de uma maior proximidade com os nossos parceiros, para que seja possível conhecermos sugestões como essa. Nem sempre temos a consciência clara que esses serviços fazem falta, mas os solicitadores, ou outros profissionais, têm importantes contributos. Temos a intenção de promover parcerias de modo a que os nossos parceiros e os atores que mais próximo estão de nós possam transmitir as ideias que têm.
Este ano ficou marcado por um novo projeto: o BUPi. Este contou com a parceria da OSAE. Foi, nomeadamente, a experiência alcançada no âmbito do GeoPredial que justificou esta parceria?
Apesar de não estar no IRN nesse momento, considero que sim e que só pode ter tido por base esse reconhecimento. De facto, a OSAE, ao avançar para um projeto como o GeoPredial, demonstrou disponibilidade para fazer e para estar presente numa área que é difícil e no âmbito da qual nós vamos precisar de ter parcerias para podermos assegurar a expansão do projeto. Ainda não sei em que termos, mas este projeto não pode ficar por aqui. Estas parcerias têm uma importância crescente. E, na minha opinião, o GeoPredial sempre foi uma boa ideia. Ao contrário de outros que o viam como uma ameaça, sempre considerei que os papéis de solicitadores e de conservadores, no que ao registo predial diz respeito, estavam bem claros e bem definidos. Existiu, sim, uma oportunidade de colaboração.
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Podemos então fazer um balanço positivo do projeto BUPi e acreditar que o futuro continuará a passar por ele?
Exatamente. Faz-nos até pensar que podemos explorar outras possibilidades de colaboração nesta matéria de registo predial e noutras. Temos de continuar a caminhar nesse sentido da colaboração porque todos somos poucos para fazer projetos como este. O BUPi veio provar que era possível algo de que se ouvia falar há mais de dez anos. Chegou e está a mostrar bons resultados, apesar de ser um grande desafio para os serviços pequenos que existem nas localidades abrangidas.
Daqui a alguns anos teremos coordenadas geográficas nos registos prediais?
Isso seria um importante desenvolvimento! E se as pudermos consultar rapidamente online, melhor ainda.
Como vê a possibilidade de os conservadores assumirem o papel de árbitro nas questões que se colocam na definição de estremas dos prédios rústicos?
Noutros países europeus, designadamente em Espanha, já se evoluiu nesse sentido, onde já se atribuíram competências no âmbito da mediação e arbitragem e com bons resultados. Eu considero que seria muito útil que todos aqueles conflitos que estão ligados diretamente à terra pudessem ser mais facilmente resolvidos pela arbitragem. Para isso, temos que libertar o conservador de tarefas mais burocráticas e temos que permitir que se concentre em tarefas mais especializadas. Mas considero que sim. O BUPi veio trazer essa possibilidade. Ela não está implementada, mas está lá e vai acabar por ser necessária. Nesta fase, estamos apenas a registar e a georreferenciar. Vai chegar a fase em que alguém vai registar e georreferenciar e já não tem espaço e aí surgirá o conflito. É muito importante evoluirmos e considero que será esse o caminho, ou seja, passando pela mediação e pela arbitragem nas conservatórias.
Os solicitadores serão, a par dos advogados e notários, os profissionais liberais que mais lidam com os serviços do IRN. Que mensagem gostaria de lhes deixar?
Temos de caminhar, seguramente, no sentido da colaboração entre profissões e instituições. Os solicitadores são, sem dúvidas, uma daquelas profissões que sempre esteve, de forma descomplexada, junto dos registos. Até porque, normalmente, é o Senhor Solicitador que vai tratar deste tipo de matérias e é quem percebe mais. É quem está mais próximo das populações e é um ponto de contacto privilegiado. Posso até dizer que o concelho onde temos mais problemas no âmbito do BUPi é o único onde não existem solicitadores. Isso coloca uma pressão muito grande na conservatória, porque não existe um apoio jurídico prévio. Os solicitadores poderão ser excelentes parceiros porque vivem uma realidade próxima, sabem do que estamos a falar e compreendem a mesma linguagem no que aos registos diz respeito. Isto tudo faz-nos acreditar que poderemos colaborar mais no futuro até no estabelecimento de canais de acesso diferenciado ao registo para profissionais.
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