Entrevista a Mariana França Gouveia, Advogada e Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
“Eu sempre acreditei na reforma da ação executiva.”
Mariana França Gouveia, Advogada e Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Participou na reforma da ação executiva que, há 15 anos, semeou discórdia e interrogações. Acreditou. Defendeu que aquela seria a direção e que ali estaria o início de uma mudança para o país que ainda morava num tempo em que a sociedade estava habituada a esperar. Hoje, olha para trás. Recorda as dificuldades e aponta o que fez falta naquele momento de arranque em que só a esperança vencia a dúvida. Mas são as conquistas que ocupam a pasta da saudade, entre os papéis e as ideias que se tornaram mais do que isso. Falamos de Mariana França Gouveia que, antes da primeira pergunta, havia tomado posse, neste dia, como Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Chegou sorridente. E, sem demoras, a conversa viajou pelos anos e pela vida da estudante de Direito que sonhava ser advogada, da professora que todos os dias ensina a simplificar e a ver o mundo sem fronteiras e da jurista que não aceita que haja um problema sem solução, uma jurista que seja “a antítese do burocrata”.
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Analisando a sua carreira, notamos que a ponte com a Justiça existiu sempre. Era esse o grande objetivo quando abraçou essa formação?
Eu sempre quis ser advogada, era o meu sonho de criança. Tudo começou porque a minha avó sempre quis ser advogada e o meu bisavô não deixou, por considerar não ser uma profissão para mulheres. Não sei se foi por essa influência, mas a verdade é que sempre quis ser advogada. Quando tirei o curso, acabei por me interessar muito pela cadeira de processo civil. Terminado o curso, fiquei como assistente na faculdade, depois convidaram-me para vir para a Universidade Nova de Lisboa fazer o doutoramento e a advocacia ficou em segundo plano. Sou advogada, exerço funções de advogada e acredito que, no futuro, essa parte profissional vá assumir maior relevância na minha carreira, sobretudo nos grandes processos internacionais.
Embora apaixonada pela advocacia, é também professora. O que importa ensinar aos alunos de Direito e que não está na legislação?
A formação do direito enfrenta um enorme desafio há muitos anos e que levou imenso tempo até se tornar evidente para todos: o direito e o ensino do direito pararam no tempo. O direito não soube acompanhar a evolução da tecnologia, da economia, da sociedade, etc. A sociedade considera o jurista um profissional maçador e que oferece poucas soluções. Deveria ser o oposto. Devia surgir associado ao apoio à sociedade, àquele que vai resolver problemas e encontrar soluções. Por exemplo, quando ensinamos contratos, falamos muito na lógica da “validade vs invalidade”. E, sinceramente, não é isto que interessa ao cidadão. Interessa saber quais são as soluções contratuais que eles têm para fazerem um determinado negócio. Esta não é a perspetiva que ensinamos na faculdade. Uma das minhas missões, neste momento, na Universidade Nova de Lisboa, passa por colocar este pensamento na cabeça dos jovens. Claro que têm de saber muito de direito e ter uma formação sólida, mas, para além disto, têm de usar toda a informação que recebem para fazerem a sociedade progredir, para criarem riqueza e, no fundo, para melhorarem as condições de vida dos portugueses.
Terá sido essa paixão por encontrar soluções e por simplificar que a conduziu ao Gabinete de Política Legislativa e Planeamento?
Sim, considero que sim. Quando faço os meus trabalhos, gosto de estudar muito as matérias e de ficar com um conhecimento sólido sobre o tema. Mas, depois, acho sempre importante dar três passos atrás e ter uma visão de helicóptero sobre a matéria. Por acaso, acho que foi o Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução que, um dia, usou esta expressão para caracterizar o que eu tenho feito muitas vezes, em diferentes contextos. Para além de estudar o problema jurídico, gosto de olhar para o sistema e de perceber o que está mal, o que pode ser melhorado, o que pode ser simplificado, etc. Não sei se já tinha este gosto antes de entrar para o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento ou se o ganhei lá.
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Como recorda o desafio que foi pensar a reforma da ação executiva?
Recordo que foi muito difícil. Eu sempre acreditei na reforma da ação executiva. Claro que, como é normal numa reforma, a maior parte das pessoas disse que iria correr mal, que estava tudo errado. Mas fez-se. Entre 2003 e 2008 foi, realmente, muito complicado. Mas, em 2008, quando se fizeram os acertos e se criaram condições tecnológicas, tudo passou a funcionar. Hoje em dia, esta reforma é um sucesso. Não compreendo como é que há quem não veja isso. Eu sou advogada e sei que, se tiver um título executivo, posso procurar garantir a recuperação do valor em dívida. Claro que existem sempre aspetos para afinar e melhorar. Na altura, tínhamos os advogados, os juízes e os oficiais de justiça contra. Os únicos que colaboraram foram os solicitadores. E ainda hoje costumo dizer aos meus alunos que uma pessoa que tenha uma vida normal, com uma casa, um carro e uma conta num banco não consegue escapar caso tenha uma dívida. Essa eficácia é essencial para a economia portuguesa.
Na altura, perante esses desafios, acredita que poderia ter sido feito mais?
Sinceramente, acredito que foi feito o possível. Falamos de 2003. Foi há quinze anos. Hoje em dia, a tecnologia é omnipresente. Não se faz qualquer reforma sem tecnologia. Talvez o erro tenha sido não termos percebido isso antes da implementação da reforma, não termos percebido que era preciso associar a uma plataforma informática. Claro que, depois, essa plataforma foi construída, pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e hoje sabemos como funciona bem. É preciso perceber a importância da tecnologia em qualquer reforma. Na minha opinião, uma das reformas centrais e silenciosas na Justiça é a reforma tecnológica.
Como é que podemos fazer chegar ao cidadão a certeza de um equilíbrio entre desenvolvimento tecnológico e a intervenção humana? Considera que o cidadão já está mais sensível a esta aposta?
Tenho lido muito sobre economia digital e tenho percebido que tudo o que é trabalho rotineiro pode ser feito por máquinas. Isto é como querer fazer uma corrida contra um carro. O carro é sempre mais rápido. Agora, exatamente por isso, as competências humanas serão muito mais valorizadas: a capacidade de trabalhar em equipa, a empatia, a inteligência emocional, a capacidade criativa, etc. É isto que as máquinas não conseguem replicar. Na minha opinião, não há futuro para quem não reúna duas características: saber interagir com as máquinas e ter capacidades que lhe permitam ser valorizado nas áreas que a máquina não consegue garantir. Penso que as gerações mais novas já sabem que será assim.
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Para lá da componente tecnológica, também temos o desafio do extrajudicial…
A minha opinião é que teremos sempre a oferta tradicional da resolução de litígios recorrendo ao tribunal e, em alternativa, os outros meios. Penso que não existirá uma substituição. O Estado terá de ter sempre um papel na administração dos conflitos. Agora, penso que haverá cada vez mais diversidade. E a Justiça portuguesa terá que continuar a modernizar-se. Tem de estar mais perto do cidadão, tem de ter uma resposta mais rápida, etc. Hoje em dia, o cidadão está à espera de uma resposta imediata para tudo. Tudo que demore mais do que uma semana é uma eternidade.
Falamos, cada vez mais, numa Justiça “global”?
Sim, e tem de ser assim. Portugal precisa de crescer e de criar riqueza. E só criamos riqueza se a formos buscar lá fora. Somos um país muito pequeno e com o que produz internamente não conseguimos. Temos de vender para fora, de trazer pessoas cá para dentro. Temos de ir buscar riqueza fora. Trabalhamos no mundo, ou seja, não interessa o local onde estejamos. Há dias em que tenho e-mails de Luanda, de Paris, de Londres, de São Paulo, de Pequim… Tudo ao mesmo tempo e eu continuo sentada no meu gabinete em Lisboa.
Na sua opinião e voltando ao tema de há pouco, que papel é que os solicitadores podem assumir no âmbito da resolução alternativa de litígios?
Os solicitadores têm uma proximidade muito grande com os cidadãos. Nessa perspetiva, podem fazer um trabalho muito importante de consciencialização. Eu diria que a mediação, que tem tido alguma dificuldade em entrar em Portugal, vai ser muito importante no futuro. O próprio agente de execução ser nomeado mediador pode ser uma boa alternativa.
O percurso continua e hoje tomou posse como Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Qual o significado deste novo desafio?
É um grande desafio pessoal e institucional. Licenciei-me na Clássica, mas vim para aqui muito cedo, assim que terminei a licenciatura. Doutorei-me aqui, ainda muito nova e isso foi muito importante para o meu percurso profissional. Assumir agora estas funções é algo que recebo de coração aberto e cheia de energia e de vontade. Sentimos que este é o momento de uma refundação. Temos uma mensagem muito clara quanto ao que queremos fazer nos próximos anos. O jurista da Nova é a antítese do burocrata. Tem de estar mais próximo da economia. Mais próximo das empresas. E tem que ser capaz de enfrentar o grande desafio da internacionalização e da digitalização.
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