Entrevista a Pedro Silva Dias, Presidente da Agência para a Modernização Administrativa
“Repensamos o que já existe e pensamos o que ainda não existe.”
Pedro Silva Dias, Presidente da Agência para a Modernização Administrativa
Quando o desafio é chegar a todos, todas as pontes são preciosas. Procurando ajustá-las às necessidades de cada cidadão, redefinir o percurso traçado faz parte do dia a dia. A tecnologia progride, as exigências aumentam e “modernizar” é a missão da Agência para a Modernização Administrativa. Sem receio dos desafios, não se esconde o orgulho que é sentir que Portugal tem dado passos importantes na criação de soluções que, sem colocar em causa a segurança, simplificam a relação com a Administração Pública. Da Loja do Cidadão à Chave Móvel Digital. Olhos nos olhos ou em frente ao ecrã, o que mais importa é chegar a todos.
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Como poderemos resumir a missão da AMA?
A AMA, como o seu próprio nome diz, tem por objetivo a modernização administrativa, em primeiro lugar dos serviços públicos, mas, muitas vezes, extravasando os próprios serviços públicos e facilitando o dia a dia do cidadão e das empresas também na relação com o setor privado. Isto porque a AMA oferece vários tipos de serviços, nomeadamente na área digital, que facilitam o dia a dia dos cidadãos e das empresas. O papel da AMA é modernizar os circuitos administrativos, as relações administrativas que cidadãos e empresas têm com a sociedade e, em particular, com os serviços públicos.
Podemos dizer que o papel passa por repensar o que parece ter sempre existido?
Sim, mas mais uma coisa. Repensamos o que já existe e pensamos o que ainda não existe. Por um lado, temos a preocupação de olhar para as fontes de burocracia e de desperdício, olhar para todos os circuitos de informação que são excedentários. Aí sim há o papel de repensar o que existe, simplificando. Muitas vezes simplificar implica reduzir ou eliminar passos e tarefas sem utilidade. Mas a missão passa também por pensar o que ainda não existe. Uma das nossas missões é desenhar e conceber modelos de atendimento e de prestação de serviços, sejam presenciais, digitais ou virtuais, que não existam hoje, que sejam inovadores, ou que, pelo menos, não existam em Portugal, e trazê-los para a administração pública portuguesa. Temos exemplos disso no atendimento presencial garantido pelo Espaço Cidadão Móvel, através do qual levamos serviços digitais às populações mais necessitadas, tratando-se de casos de carência económica ou de carência de literacia digital, ou em situações como, por exemplo, a dos incêndios, em que muitas pessoas ficaram sem documentos. Na área digital contamos com várias plataformas que são inovadoras, nomeadamente na área da autenticação com a chave móvel digital que tem, inclusivamente, ganho vários prémios internacionais. E, nesse caso, estamos realmente a pensar o que ainda não existe para modernizar o dia a dia dos portugueses.
De que forma é que esse trabalho é sentido pelos portugueses? Que exemplos poderemos apresentar?
Às vezes o cidadão pode não reconhecer a ligação à AMA, mas não é difícil dar exemplos e explicar onde estamos no dia a dia dos portugueses. Desde logo porque a AMA é a entidade gestora da rede das Lojas de Cidadão. Uma rede que tem, hoje, 53 lojas, Estamos presentes em todo o território continental. Gerimos, também, uma rede de prestação de serviços digitais que são os Espaços Cidadão e que os portugueses vão conhecendo cada vez melhor. São muitas vezes confundidos, mas são conceitos diferentes. O Espaço Cidadão está em cerca de 500 locais em todo o país, com uma maior incidência no interior e em terras de menor densidade populacional. Este Espaço pretende apostar num conceito de proximidade com as populações. Porque este espaço, para além da prestação do serviço digital, tem uma missão de literacia digital. Por exemplo, cada vez que um português muda a sua morada, deve alterá-la no Cartão de Cidadão e pode fazê-lo eletronicamente no portal do cidadão. Acontece que uma boa parte dos portugueses não o sabe fazer. Para esses foi criado o Espaço do Cidadão. É digital, não envolve papel, mas, no entanto, o cidadão dispõe de um funcionário para o ajudar a fazer essa alteração. Outro exemplo é a renovação da carta de condução. Hoje em dia, a maioria das cartas já são renovadas digitalmente. Quem não o saiba fazer pode dirigir-se a um Espaço Cidadão para tratar disso. Mas também falamos da Chave Móvel Digital, do Balcão do Empreendedor, etc. Vários produtos que os portugueses usam sem saberem que é a AMA que gere.
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É um trabalho inesgotável?
Fim não terá, certamente. E ainda bem que assim é. Mas é por vários motivos, não só pela questão tecnológica. Quando se fala no ciclo infindável, eu refiro sempre aquela prática japonesa da melhoria contínua dos processos, o famoso Kaizen. Os japoneses afirmam que os processos nunca estão perfeitos, há sempre uma margem de melhoria. Essa é a nossa postura. Os serviços que disponibilizamos têm sempre algo para melhorar. Seja na área da eficiência, seja na qualidade do serviço que prestamos. De facto, a inovação tecnológica e a prestação de serviços digitais são aspetos que trazem uma pressão adicional neste ritmo infindável de renovação e desafio constante. É uma oportunidade, mas, ao mesmo tempo, é um desafio. Por dois motivos: por um lado, todos os dias aparecem novas tecnologias; por outro, existe a expectativa do cidadão. Por exemplo, o cidadão quer alterar a morada no Cartão de Cidadão da mesma forma que faz uma compra na Amazon. Isso obriga-nos a ir melhorando a qualidade, a comodidade e a eficiência dos serviços públicos para não defraudar as expectativas dos cidadãos.
Há alguns anos foi revolucionário juntar vários serviços num só local. Em que etapa estamos agora?
Neste momento, já não é revolucionário juntar todos os serviços, mas continua a ser desafiante e muito importante. Por exemplo, há muitos projetos de Lojas de Cidadão que estão por concluir. Temos um plano e queremos chegar a cerca de 80 Lojas de Cidadão espalhadas por todo o país. É o que está previsto numa Resolução do Conselho de Ministros. E isso é um desafio. Outro aspeto que continua a ser muito desafiante passa por juntar e unir esforços no mundo digital, o que não é, muitas vezes, fácil do ponto de vista técnico. Isto porque o crescimento das tecnologias coincidiu com o desenvolvimento monolítico dos sistemas de informação em cada uma das entidades. Ou seja, cada uma das entidades desenvolveu o seu sistema de informação, de forma vertical, não dialogando com outras entidades, e quando se tornou premente e inadiável que os sistemas de informação comunicassem entre si, passámos a encarar um enorme desafio. Um dos passos que a AMA deu em 2006/2007 foi a criação de uma plataforma a que chamamos de Interoperabilidade da Administração Pública. Trata-se de uma componente informática que é transversal a toda a Administração Pública, permitindo que entidades diferentes comuniquem entre si e troquem dados e serviços, desobrigando o cidadão e as empresas de, repetidamente, terem de interagir com várias entidades.
Como somos vistos lá fora no que diz respeito à modernização da Administração Pública?
É um trajeto longo. E, na área da modernização administrativa, do governo eletrónico e dos serviços digitais, Portugal está muito bem visto. O programa Simplex foi considerado uma boa prática pela OCDE e pelas Nações Unidas. Mais recentemente, com o primeiro Orçamento Participativo, feito à escala nacional, temos recebido vários prémios internacionais. Outro exemplo de reconhecimento é a Chave Móvel Digital, tendo Portugal sido pioneiro e líder à escala europeia. O próprio Cartão de Cidadão, que já tem mais de dez anos, foi um dos primeiros cartões digitais em toda a Europa. Já este ano, Portugal, no ranking de governo eletrónico da ONU, ficou muito bem colocado: nos primeiros 30 lugares a nível mundial. Subiu da 38ª para a 29ª posição. Isto não quer dizer que está tudo bem, mas indica que Portugal, no que diz respeito à oferta e ao desenvolvimento de novas soluções, está muito bem.
Ainda é importante relembrar os portugueses que o Cartão de Cidadão ou a chave móvel digital podem abrir mais portas do que imaginam?
Sim, seguramente. Aí há um grande desafio a conquistar que é o de sermos capazes de comunicar com todos os portugueses. Há necessidades diferentes. Não estamos a falar só para Lisboa, Porto, Coimbra e da orla costeira. Não estamos só a falar com jovens universitários ou com população empregada nos setores de cariz mais digital. Temos de prestar serviços públicos a todos os portugueses. E fazê-lo começa por, cada vez que temos um novo serviço público, mais ou menos inovador, conseguir comunicá-lo a todos. Esse é o primeiro grande desafio porque queremos aumentar os níveis de uso dos mesmos. Depois de conseguirmos isto, temos de ter canais de acesso a esses serviços que abranjam todos os portugueses. Consideramos que os nossos serviços devem ser digitais por defeito, mas devem acautelar que nenhum segmento da população fica excluído por não ter os meios necessários para aceder ao serviço digital ou por, tendo os meios, não ter o conhecimento essencial para a utilização do serviço digital.
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Qual o papel dos profissionais, como os Solicitadores, que representam também uma ponte entre os cidadãos e a Administração Pública?
Deve existir uma articulação e uma comunhão total. Isto pelo facto de todos os serviços estarem ao dispor de toda a sociedade. A Administração Pública tem tido um relacionamento profícuo e que tem melhorado ao longo dos anos com várias Ordens Profissionais. Nomeadamente com a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução temos vindo, no âmbito do Sistema de Certificação de Atributos Profissionais, a trabalhar para a utilização para fins profissionais de ferramentas de identificação eletrónica, etc. Mas temo-lo feito, também, com outras Ordens. Há toda a abertura da nossa parte para que a OSAE seja um parceiro no desenvolvimento de novos serviços, não só na identificação eletrónica, mas também na área dos serviços públicos digitais no geral, até pelo papel que a OSAE tem junto das empresas e da comunidade empresarial. Faz todo o sentido estreitar laços e continuar a cooperar.
No futuro, como poderemos imaginar esta interação entre os cidadãos e os serviços da Administração Pública? O imediatismo é o grande desafio?
O imediatismo é um desafio, sem dúvida. Não creio que seja o único e não lhe consigo dizer se é “o desafio”. Mas é um desafio acima de tudo porque o cidadão ou o empresário não distingue o seu relacionamento com a Administração Pública do seu relacionamento com o resto dos agentes económicos com os quais interage. É relativamente frequente depararmo- -nos com necessidades de pessoas que, estando habituadas a fazer compras a qualquer hora, querem o mesmo nível de serviço para o resto da sua vida. Sim, isto é um desejo. Mas existem mais desafios: conseguir prestar serviços a toda a população e ter uma Administração Pública mais amiga e mais próxima do cidadão. Sem dúvida, o maior desafio da Administração Pública passa por prever e evitar necessidades no relacionamento do cidadão ou do empresário com a Administração Pública.
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