Entrevista a Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
“Hoje, a ação executiva portuguesa é uma referência a nível internacional.”
Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Quando, naquele dia, resolveu pedir o certificado de registo criminal no Tribunal de Santarém e inscrever-se no curso de solicitadoria, Jacinto Neto escreveu um início que, embora considere um “mero acaso”, antecedeu um caminho revestido de sentido e lógica. Hoje é Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, missão que assume como um dever que pertence a todos os associados. Viveu o nascimento da profissão que transformou incertezas em conquistas. Recorda momentos, rostos e a vontade que tinham em conseguir fazer mais pelo país que pedia uma solução. Ao fim de 15 anos, a Ação Executiva portuguesa é apontada como um exemplo. No país, na Europa e no mundo. Pelo passado que conhece, Jacinto Neto olha agora para o futuro com novas interrogações. Contudo, resta-lhe a mais importante das respostas: “Cabe aos Solicitadores, aos Agentes de Execução e à nossa Ordem profissional adaptarem-se e fazerem a tecnologia adaptar-se à Justiça”.
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Como começa esta caminhada na solicitadoria e, mais tarde, na ação executiva?
A Solicitadoria surge por mero acaso do destino. Terminei a minha formação no secundário, na área de ciências, nada aconselhável para quem pretende seguir uma profissão na área do direito
Depois de várias peripécias e mudanças do sentido de vida, que passaram de pilotar aviões a formador de informática, num dia de 1989, não tinha nada que fazer e acompanhei o meu amigo Sérgio Marecos ao Tribunal de Santarém, onde ele iria pedir o certificado de registo criminal. Ele queria concorrer ao curso de Solicitador. Embora não soubesse muito bem o que era ser Solicitador, era a profissão do pai do nosso vizinho e amigo Nuno Costa. Ora, o Solicitador Amílcar Costa era uma pessoa muito conceituada em Santarém. Parecia- -lhe bem… Quando estávamos na secretaria do tribunal, o funcionário, também nosso amigo, pergunta-me: também queres um certificado? O Sérgio convenceu-me! É um curso muito fácil, é só ir lá uns dias por mês, bebemos uns copos em Lisboa e já está…
Não podíamos estar mais enganados. O curso não foi fácil e não foi só “ir lá de vez em quando”. Quanto aos copos em Lisboa, bom… Foram três duros anos de aprendizagem e empenho, em que ganhei o gosto pela área do direito e que me levam a manter esta profissão há já 25 anos.
A Execução foi um desafio que iniciámos na viragem do século e que se concretizou em setembro de 2003. Sendo um dos impulsionadores deste desafio, não restava alternativa que não a de me iniciar nesta profissão desde o seu primeiro dia.
E, hoje, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos AE, como olha para a ação executiva tendo assistido e vivido o seu início?
A ação executiva configura hoje um paradigma completamente diferente do que se vivia em 2003. Evoluiu. Evoluiu muito: da simples prática de apenas alguns atos na ação executiva em 2003, então completamente dependentes e na alçada do Juiz, para a atual tramitação total do processo executivo. Dispõe o atual Artigo 551.º, nº 5 do Código de Processo Civil, “o processo de execução corre em tribunal quando seja requerida ou decorra da lei a prática de ato da competência da secretaria ou do juiz e até à prática do mesmo”. Quer isto dizer que, nos dias de hoje, um processo pode ter início, decorrer e terminar sem nunca ser presente a Juiz.
Obviamente que, com este aumento de competências, também os deveres e as responsabilidades aumentaram. E muito. Os Solicitadores de Execução, mais tarde, Agentes de Execução, foram provando, ao longo dos ano, a sua competência e o seu saber.
A Câmara dos Solicitadores, agora Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, também soube evoluir e tornar-se parceira da Justiça, participando ativamente nos desenvolvimentos que ocorreram. Hoje, a ação executiva portuguesa é uma referência a nível internacional.
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Algum episódio que gostasse de reviver? Porquê?
Não sou apologista de reviver o passado. Não pretendo maçar com a descrição de episódios fora do comum, relativos à minha participação enquanto membro dos órgãos sociais desta Instituição. Foram inúmeros e de todos os tipos - de dramáticos a hilariantes, do desespero à satisfação. São apenas histórias que ficam e, com o passar do tempo, apenas vão significando alguma coisa para quem passou por elas.
E a profissão mudou? No sentido previsto?
Em 2003 assumimos a execução quando ninguém a desejava ou dela esperava algo, alterámos o seu paradigma, melhorámos a sua eficácia, contribuímos para uma melhor economia, para o alcance de mais segurança e transparência, participámos ativamente na recuperação da crise financeira em que Portugal se viu envolvido e a profissão de Agente de Execução, bem como a sua Ordem profissional, são, atualmente, referências a nível nacional mesmo internacional.
O SISAAE reflete a evolução das exigências que marcam a ação executiva? Que desenvolvimentos gostaria de salientar?
Claro que sim. O GPESE, agora SISAAE, evoluiu e a ação executiva que hoje conhecemos a esta plataforma o deve: a gestão processual, a comunicação com o tribunal e as partes, o tratamento do correio, as consultas de património e moradas, as penhoras de automóveis, as citações de credores, a conciliação, os IUP, as penhoras bancárias, etc.
Por motivos meramente de natureza técnica, os últimos desenvolvimentos, apesar de não fazerem totalmente parte do SISAAE, a este sistema estão intrinsecamente ligados e refiro-me às plataformas do PEPEX e do e-Leilões.
E no que diz respeito à antiga Câmara, agora Ordem… Considera que é natural um associado procurar envolverse na vida da sua Ordem?
A minha inscrição como solicitador remonta a 28 de abril de 1993. A minha primeira participação na vida da Câmara dos Solicitadores ocorreu em dezembro de 1995, ano em que fui eleito Delegado Distrital de Santarém. Esta diferença de apenas pouco mais de dois anos responde, por si só, à pergunta. Considero perfeitamente natural um associado envolver-se na vida da sua Ordem profissional. Aliás, considero mesmo um dever. Cabe aos associados lutar pelo futuro da sua classe profissional. A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução é a instituição que é hoje graças ao empenho de milhares de Colegas que têm passado pelos seus órgãos desde 1927, ano em que foram estruturadas três Câmaras dos Solicitadores - Lisboa, Porto e Coimbra.
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A passagem a Ordem teve algum impacto para os agentes de execução?
O Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, apesar de alterações pontuais, estava, efetivamente, muito desatualizado e pouco adequado à realidade. Com a transformação em Ordem e a aprovação do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, e ainda pela consequente alteração dos diversos regulamentos, estamos a adaptar esta instituição ao novo paradigma, obviamente com impacto representativo, funcional e até disciplinar para os agentes de execução.
Os cargos que exerceu antes tornam o exercício do atual cargo diferente?
Sim. E foram diversos. Existe a experiência adquirida com o passar dos anos e dos cargos. É aquilo a que os ingleses chamam de “political background”. Por outro lado, tenho a perfeita noção de que a confiança pessoal, profissional e técnica que vamos angariando junto dos nossos parceiros na Justiça, seja a nível nacional, seja no contexto internacional, permitem-nos atingir metas que seriam impossíveis sem essas conquistas.
E é graças ao exercício desses anteriores cargos que hoje me é possível representar internacionalmente a OSAE e promover a assunção de novas competências para os nossos associados, nomeadamente no que diz respeito ao serviço transfronteiriço de documentos ou, até mesmo, à prática total dos atos no processo de arrolamento europeu de contas bancárias.
Quais as metas que traçou para este mandato?
Instalou-se, nos últimos anos, uma evidente crise de trabalho para a maioria dos Agentes de Execução. Combater essa crise e criar condições para que os Agentes de Execução possam exercer a sua profissão de forma condigna, independente, justa e transparente - não podia deixar de ser essa a principal meta neste mandato.
Procuraremos novas áreas de atuação. Destacamos, neste âmbito, as execuções administrativas, nos processos de cobrança decorrentes de contraordenações ou de dívidas a instituições ou empresas com privilégios administrativos, o serviço transfronteiriço de documentos, o arresto europeu de contas bancárias, a execução europeia.
Outro grande objetivo passa pela distribuição processual justa, contemplando a distribuição aleatória de processos, com critério de proximidade e possibilidade de escolha ou de veto sobre uma lista restrita - um dos pontos que foi aprovado nas conclusões do nosso último congresso.
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Nos dias que correm, ser agente de execução obriga a saber garantir o equilíbrio entre o recurso à tecnologia e o contacto pessoal? É o maior desafio?
Efetivamente é um equilíbrio difícil de manter. Mas, tenho confiança, os Agentes de Execução sabem manter esse equilíbrio com eficácia, transparência, dignidade e integridade!
Portugal é um dos países mais avançados no que diz respeito à relação entre a execução e a informática. Atualmente, praticamente em tempo real, conseguimos: consultas de património e moradas, apreensão, penhora e venda de bens, penhoras de créditos e contas bancárias, citações, notificações… Isto com várias camadas de certificação, canais seguros e autenticidade digital! De referir que, com toda esta panóplia de ferramentas tecnológicas, advém também uma enorme responsabilidade profissional, civil e criminal para o agente de execução. Ainda assim, entre tribunal, partes e intervenientes, a relação passa por NIF, NIPC, BI, CC, NISS, números e letras… Salvo exceções, não há contacto pessoal. E é, sim, ao Agente de Execução que cabe “dar a cara”. É ele que “enfrenta” o Executado e, às vezes, também o Exequente. É ele o portador das más notícias… Do outro lado estão sempre pessoas, famílias, problemas e, às vezes, estão razões! Por isso, o contacto pessoal não pode ser descurado. É uma das ferramentas do Agente de Execução. Talvez a mais importante! Falamos da humanização do sistema! Quantas vezes o papel de Agente de Execução não se transforma no de “ouvinte”, no de “psicólogo” ou, mesmo, no de “conselheiro”? É isso que começamos por ensinar aos nossos estagiários.
Aliás, no terreno e no seguimento desse contacto pessoal, foram inúmeros os Agentes de Execução que alertaram as autoridades competentes sobre situações de pobreza extrema, fome ou risco sanitário. Também desempenhamos um papel social.
Por onde acredita que passará o futuro das profissões de solicitador e de agente de execução?
A curto prazo, pela inteligência artificial, pela gestão de informação, pela tecnologia. É uma inevitabilidade. Teremos que falar em comércio e contratação sem fronteiras, em contratos inteligentes e autoexecutáveis, em “Blockchain” (sistema de várias camadas de certificação aplicado a movimentos financeiros ou, mesmo, a outros), em moeda virtual, em serviço eletrónico de documentos… Todo um mundo que já está a crescer e que, dentro de poucos anos, tenderá a substituir aquele que agora conhecemos. Podemos negar. Não o podemos evitar. Cabe aos Solicitadores, aos Agentes de Execução e à nossa Ordem profissional adaptarem-se e fazerem a tecnologia adaptar-se à Justiça.
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