Entrevista a Maria Clara da Cunha Calheiros de Carvalho, Presidente da Escola de Direito da Universidade do Minho
“Aquilo que hoje é o Direito, amanhã será a História do Direito.”
Maria Clara da Cunha Calheiros de Carvalho, Presidente da Escola de Direito da Universidade do Minho
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Existe uma ligação entre o que acontece no mundo da Justiça e as mudanças que têm vindo a ocorrer na formação em Direito?
Sim, existe. No ADN do Direito está inscrita a palavra “adaptação”. O Direito não é uma realidade imóvel, mas sim uma realidade que sofre uma contínua renovação. O Direito que estudamos hoje não é o mesmo que estudámos em 2017 ou 2016, porque os quadros normativos estão em constante evolução. Aquilo que hoje é o Direito, amanhã será a História do Direito. Independentemente disso, existem outros fatores que obrigaram o curso de Direito a transformar-se. Por exemplo, o facto de hoje, nas universidades, estarmos muito mais cientes da necessidade de formar pessoas que vão depois exercer determinado tipo de funções. Não quero com isto dizer que o ensino universitário deva ser transformado em formação profissional, mas, na minha opinião, a universidade apropriou-se da ideia de que não se pode desligar daquilo que vai ser o futuro dos estudantes que forma. Esta ideia é uma preocupação recente. Uma preocupação das universidades no século XXI, em todas as áreas.
Também sentimos isso quando falamos na ponte estabelecida com o mercado de trabalho e na internacionalização?
Em 2018 completamos 25 anos de existência. Consideramos que a Escola de Direito fez um caminho rápido em termos de afirmação. Foi a terceira licenciatura pública a surgir em Portugal. A primeira, com 700 anos de avanço, foi Coimbra, seguiu-se Lisboa, com 100 anos de avanço, e depois nós. Começámos por construir um corpo docente qualificado, por conseguir instalações, por construir propostas de ensino que fossem ao encontro do que achámos que eram as necessidades sociais. Agora, estamos finalmente no ponto em que nos podemos preocupar com outras coisas. Isso significa estimular e desenvolver a nossa ligação à sociedade, significa desenvolver as componentes de investigação e significa desenvolver a internacionalização. A nossa missão não se esgota apenas num horizonte nacional e, para isso, as nossas linhas estratégicas começaram por captar alunos nos países de língua oficial portuguesa. Depois, quisemos construir uma relação muito sólida com os nossos vizinhos galegos. Temos uma parceria muito forte, tanto a nível de investigação, como de ensino, com as Faculdades de Direito de Vigo, Santiago de Compostela e da Corunha. Por fim, nos últimos anos, lançámo-nos ao resto do mundo. Temos captado estudantes de todo o lado, dos locais mais longínquos. Por exemplo, no passado, tivemos aqui um aluno da Mongólia. Queremos estar integrados nas redes internacionais de investigação. Para isso, temos procurado complementar este esforço de captação de estudantes, tentando estabelecer relações de intercâmbio com universidades um pouco por todo o mundo. Temos tido cá investigadores das mais diversas proveniências e temos, também, participado ativamente em projetos de investigação com outros países e outras universidades.
Sentem que uma experiência de intercâmbio é algo enriquecedor no currículo dos alunos?
Sim, sem dúvida, e por essa razão sentimos a necessidade de criar um gabinete de saídas profissionais. A própria Universidade do Minho tem um gabinete que faz o acompanhamento dos alunos, mas, mesmo assim, criámos este gabinete para conseguirmos estar mais próximos da especificidade das saídas profissionais na área do Direito. Essa tem sido uma das nossas preocupações nos últimos anos.
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Como se caracteriza a procura do curso num estabelecimento de ensino localizado fora dos dois grandes centros?
O governo, ao decidir reduzir as vagas em Lisboa e Porto, procurando beneficiar as universidades do interior, considerou a Universidade do Minho uma universidade do interior. Ora, apesar de tudo, temos que entender que a Universidade do Minho não é uma universidade do interior. Nós estamos a 40 quilómetros do Porto. Por exemplo, uma parte muito substancial do corpo docente da escola vive no Porto. A Universidade do Minho é concorrente direta da Universidade do Porto. A estas duas, junto ainda a Universidade de Aveiro. Estas três universidades não são universidades do interior. A nossa procura é gigantesca. Nos últimos anos, na área do Direito, as melhores médias nacionais foram sempre disputadas entre a Escola de Direito da Universidade do Minho e a Faculdade de Direito da Universidade do Porto. O curso que abrimos recentemente, “Criminologia e a Justiça Criminal”, no ano em que arrancou, foi o curso com mais procura de todos. Os nossos mestrados têm, normalmente, o triplo de candidaturas em relação às vagas disponíveis.
A envolvência da faculdade pode ser um dos fatores que contribuem para a distinção dos alunos que saem desta instituição?
Na minha opinião, sim. Uma das mais-valias de quem estuda na Escola de Direito é o facto de a Universidade do Minho oferecer uma verdadeira experiência de campus. Por exemplo, um aluno da Clássica não vai ter uma experiência de campus, como aqui. Tanto a cidade de Lisboa como a do Porto são grandes, as faculdades estão mais isoladas e as comunidades de alunos estão mais separadas entre si. Os nossos estudantes, de diferentes áreas, estão constantemente misturados. A nossa filosofia de ocupação dos espaços é de partilha. Nos edifícios, nos bares, nas cantinas, os alunos estão misturados. Isto gera uma experiência de faculdade diferente.
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Participar na direção de um estabelecimento de ensino representa um desafio constante pela gestão de expetativas e de futuros a que obriga?
Admito que existem dias em que é muito bom e outros em que foi a pior coisa que me aconteceu. Nunca me passou pela cabeça, quando vim para a faculdade, que um dia iria exercer este tipo de funções. Não foi algo planeado. Agora, esta função tem um aspeto muito positivo e aliciante: pensarmos um projeto e termos uma ideia de como é que gostaríamos que as coisas fossem. Esta parte de ver crescer algo e de poder fazer a diferença é muito bom. A parte pior é o choque com a realidade. Aquilo que nós queremos fazer não depende só de nós e existe todo um conjunto de obstáculos e de limitações que vamos ter de conseguir vencer. Aceitei este desafio ainda num momento de TROIKA, senti muito as restrições da altura e isso foi muito complicado. O balanço é extremamente positivo. Aprendi imenso e tive uma sorte muito grande com o surgimento desta oportunidade, porque me permitiu conhecer pessoas que de outra forma não conheceria. Mesmo as dificuldades que tive de enfrentar fizeram-me aprender muito. O balanço é claramente positivo, ganhei muito mais do que perdi. Quando terminar este projeto, vou regressar àquilo que gosto realmente de fazer: dar aulas e estudar.
Quais são os caminhos e os desafios que se adivinham para futuro?
A Escola de Direito tem um enorme potencial para se afirmar mais em termos de investigação. Temos o Centro de Investigação em Justiça e Governação, que é novo e que vai ser agora avaliado neste processo da FCT. Está organizado de uma forma diferenciadora em relação à regra em outras faculdades de direito, porque não estamos organizados por disciplinas, mas sim por problemas de investigação. Os grupos obedecem a uma lógica de tentativa de responder a um problema de investigação, porque, normalmente, os problemas que nos colocam são interdisciplinares. Este é, verdadeiramente, o ano de arranque deste projeto e eu estou convencida que a médio/longo prazo vai ser um projeto com muito sucesso. Do ponto de vista do ensino, o caminho vai ser o de uma progressiva maior visibilidade da área da criminologia e da justiça criminal. É um projeto novo, ainda não temos os primeiros licenciados, mas é uma área em que existe carência em Portugal e em que existe um espaço para que o mercado possa receber profissionais nesta área.
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