Reportagem sobre Conímbriga
Camadas de História
Conímbriga
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Imaginem todo este espaço cheio de vida e de gente. Imaginem tudo a acontecer!” Quem pede é José Ruivo, Diretor do Museu Monográfico que aqui foi instalado para guardar o que o passado deixou enterrado e que, todos os dias, pode ser descoberto. Conímbriga, hoje silenciosa, não esconde o que outrora se ouviu. Aliás, todos os dias algo mais se descobre desta cidade que, hoje, apenas revela as suas fundações, deixando perceber o significado e o impacto da presença romana em Portugal. “Conímbriga é um local incontornável na nossa herança, uma vez que é a cidade romana que melhor se conhece atualmente em território nacional.”
Habitada pelo menos, entre o séc. IX a.C. e os séculos VIII- -IX, da nossa era, tendo os Romanos chegado na segunda metade do séc. II a.C., “as primeiras intervenções em Conímbriga, que se conhecem, datam de finais do século XIX. Até essa altura, nem se sabia que tinha havido aqui uma cidade romana, nem se sabia como se chamava.” Foi com base no desconhecimento que se começaram a desenhar os contornos do como seriam a cidade e a vida. Saindo das entranhas da terra, surgiram casas viradas para o interior, para o pátio que ficava ao centro, convidando a luz a entrar e guardando a privacidade da família, já que não havia janelas para o exterior. “No fundo, o coração da casa era o pátio central.” Aos poucos, a terra vai revelando o que guardou.
Mas a verdade é que a própria história da revelação da História teve muitos episódios que, entre imprevistos e descobertas, acabaram por se encaixar: “As primeiras escavações têm início em finais do séc. XIX e foram promovidas pela Rainha D. Amélia. Fizeram-se as primeiras sondagens e apareceram estruturas de casas, mosaicos, etc. Em 1910, Conímbriga foi declarada Monumento Nacional. Em 1930, aproveitando a realização, em Coimbra, de um congresso internacional de arqueologia e pré-história, a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra comprou duas parcelas de terreno, no centro do planalto, e escavou-as para trazer os participantes do congresso a visitar as escavações. Este é o grande momento de viragem. No seguimento dessas escavações e inseridos no contexto político da época, o Estado Novo começa a fazer um grande investimento na recuperação do património antigo e ligado às origens de Portugal. O Estado Novo fez a expropriação de todos os terrenos que estavam dentro da grande muralha (Muralha Tardia), pois julgava-se, na altura, que Conímbriga estava circunscrita a esse espaço. E a Direção-Geral dos Edifícios e dos Monumentos Nacionais começou, logo na década de 1930, a fazer as escavações. Nessa altura, são escavadas as primeiras casas de Conímbriga. Isto chamou muito a atenção da sociedade portuguesa. Por exemplo, a descoberta da Casa dos Repuxos, que é a mais importante e emblemática do ponto de vista da arquitetura, deveu-se à intenção de construir, nos terrenos onde está situada, um parque de estacionamento para o público que, nos anos de 1930, já começava a afluir a Conímbriga”, conta sorrindo perante a coincidência.
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No Museu Monográfico, apenas têm palco as peças encontradas no sítio arqueológico. O Museu foi construído em 1962, tendo sido remodelado em 1984, e exibe peças que marcavam o quotidiano, elementos ligados ao culto, ou instrumentos de trabalho. Num futuro breve, pretende-se renovar a exposição sem perder uma identidade que pode ser reforçada pela tecnologia hoje disponível e que permitiria ver alguns pedaços de passado arrumados, tornando-se mais simples compreender a sua relevância. Ainda antes da Muralha Tardia, junto à antiga via onde as pedras conservam gravadas as marcas das rodas das carroças que ali passaram, fica a Casa dos Repuxos que, no seu pátio, guarda o som da água a jorrar. Nas paredes, vestígios das pinturas que, um dia, as preencheram. No chão, mosaicos que ilustram cenas, hábitos e mitos. Pedra a pedra, montaram-se figuras encomendadas ao mosaicista que, com o seu catálogo, ia de cidade em cidade na busca de novos clientes. Por vezes, era preciso remendar. E, se o artesão estava distante, o improviso fazia esquecer contornos bem definidos e manchas iam surgindo, tal e qual nódoa que se descobre num tapete. Alguns destes mosaicos, ajustados às necessidades, missão e decoração dos espaços, fascinam pela complexidade, perfeição, pelo rigor e, acima de tudo, por, em alguns casos, não haver uma pedra em falta.
Seguindo em direção ao que foi o centro da cidade, atravessa-se a Muralha Tardia que, a partir de finais do séc. III, serviu como estrutura de proteção e vigia. No centro do planalto ergue-se o fórum romano, o coração da cidade que, impondo-se a todas as construções que se avistavam ao longe, projetava o poder de Roma. Por lá ficava a Basílica que, “no conceito romano, era o Tribunal. Neste momento só vemos os alicerces, temos de imaginar o resto”.
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Pelo caminho, vão surgindo as recordações do que é uma viagem que ainda agora começou: “Este é o único espaço urbano romano em Portugal que pode ser escavado quase na totalidade. Neste momento, só está escavada cerca de 1/7 de toda a área arqueológica”. Por isso, o futuro passará por se descobrir mais do passado e aumentar a área visitável. “Por exemplo, queríamos muito abrir ao público o anfiteatro. Só se conhecem dois em Portugal: um na Bobadela e este, aqui em Conímbriga. O nosso é muito maior do que o da Bobadela. E boa parte ainda está enterrada. A seguir ao fórum seria, certamente, o monumento mais importante e mais emblemático da cidade.”
Ao fundo, avistam-se pessoas. Entre carrinhos de mão, baldes, colherins, picaretas, pás e pequenas vassouras, uma equipa trabalha parecendo não sentir o calor. Tendo em conta que tudo pode ser encontrado, a diversidade de perfis e especializações torna-se uma mais-valia. Virgílio Correia, arqueólogo e antigo diretor, aproxima-se. Em conversa, vai tentando desvendar, com a ajuda de José Ruivo, a origem daquela moeda que havia aparecido e que ainda estava coberta de terra. O desafio é constante. Por isso e pelos dias sempre diferentes, não esconde o quão apaixonante é um trabalho que não é suposto ter um fim. “Quando fazemos uma escavação temos de ter espírito aberto e estar sempre muito atento aos pormenores”, afirma Virgílio Correia, passando a palavra a José Ruivo que acrescenta: “Todos os dias sabemos um bocadinho mais de Conímbriga. Temos milhares de peças armazenadas”. E assim se vai avançando. No terreno e no tempo. “Da área que foi escavada aqui em Conímbriga, o que encontrámos leva-nos até ao início do primeiro milénio antes de Cristo. Não quero com isto dizer que não possamos recuar ainda mais no tempo. Antes dos romanos, já existiam aqui pessoas a viver.”
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Muitas respostas moram sob estas camadas de terra. E, a cada dia, novas dúvidas surgem. E desengane-se quem pense que o passado não traz suspense. Em 2013, no canto de uma casa, foi encontrada uma sepultura de uma mulher, datada por radiocarbono dos séculos II-III d.C., numa época em que os enterramentos dentro dos espaços urbanos eram proibidos. “Nesse caso, até podemos suspeitar de um homicídio, de ocultação de cadáver…”
Entre histórias mais ou menos mirabolantes, a verdade é que não dá para enterrar a importância deste espaço que, aparentemente vazio, está repleto de possibilidades, sinais, vestígios. E, sendo certo que muito mudou desde aquela época, segundo José Ruivo, não podemos menosprezar os alicerces de tudo quanto se construiu. “Este é um trabalho em constante desenvolvimento. É um trabalho para muitas gerações. Eu não vou viver o suficiente para o ver terminado. Mas, aqui, estão os alicerces.” Alicerces que, por mais anos que passem, continuarão a ser a resposta a muitas questões deixadas pelo passado ou trazidas pelo futuro e que se reinventam a cada nova descoberta. “Mas, voltando à moeda… Pela espessura dela e pelo tamanho, diria que é do final do século IV. Vá, até logo!”
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